terça-feira, 4 de setembro de 2007

Colocando o pé na estrada das "realidades"

1994. Época em que o “brasileiro estava comendo mais frango”. Nascia o plano Real. A possibilidade de uma moeda em pé de igualdade monetária com o onipotente Dólar mexia com as imaginações brasileiras... Com o caixa fortalecido pelas novas medidas econômicas, minha família rapidamente colocou em pauta seu antigo sonho de viajar rumo à fronteira entre Brasil, Argentina e Paraguai.

Uma rápida olhada no mapa bastou para escolhermos o Paraguai como nossa primeira estada. Não por acaso. “Foz do Iguaçu”, por si só, já valia uma parada estratégica para “Ponta Del Leste”. A idéia de estarmos “abonados” parecia sugestiva demais para umas compras no “informal” mercado "formal" paraguaio.

O passeio pelas belas paisagens paranaenses já se constituía como uma jornada promissora. O sol nos acompanhando até as 8 da noite. Música rolando solta. (Seguindo as predileções “jovem-guardistas” de papai e suas músicas do arco-da-velha!) Não por menos, chegamos bem animados à famosa “Ponte da Amizade”. E em tempo recorde!

Atravessando para o lado guarani, nossa primeira parada fora desastrosa, perdemos tempo buscando uma “liberação” que sequer precisávamos. Poderíamos entrar livremente no país vizinho, diferente do que nosso guia de estrada (espertalhão) nos fazia acreditar a principio. O rapaz (aparentemente, um pouco mais velho do que eu) tentava nos fazer comprar uma “licença” que (de fato) só era expedida e/ou necessária para os turistas que fossem passar mais de um mês em solo paraguaio. Descobrimos a farsa a tempo de evitarmos desembolsar uma fortuna pelo papel timbrado - e com segundos de sobra para se despedirmos apropriadamente (de uma forma nem um pouco elogiosa) do “camarada” sabichão.

Andando pela decantada "Ponte da Amizade"

Passado o primeiro sufoco, uma nova luta se iniciava. A cidade estava amarrotada, ficava quase impossível encontrar um espaço para se estacionar o carro. Precisaríamos esperar alguém abandonar sua vaga. Começamos a caçar alguma possível vítima. Demos sorte, logo fomos agraciados pelo lugar deixado por mais um feliz muambeiro de partida. Estávamos prontos para caminhar rumo as incontáveis lojas/camelôs da cidade.

Ficamos animadíssimos. Tinha vertigens de alegria só de pensar em quantos cartuchos do Mega Drive eu conseguiria embolsar quase de graça. Se abusar, até videogame novo eu compraria por qualquer preçinho mais camarada. Nossa primeira parada foi para trocar nosso Real “poder aquisitivo” pelo Dólar paraguaio. É incrível, em qualquer esquina um posto do governo fica de prontidão para realizar tal serviço. Bolso preparado, dinheiro repartido... Fomos às compras.

Interessante é que aquém das ruas recheadas de muambas, os intricados mini-shoppings são um verdadeiro paraíso para quem procura por qualquer tipo de quinquilharias. Algumas lojas (inclusive) parecem propositadamente escondidas. Colocadas no cantinho secreto só conhecido pelos consumidores mais assíduos. Tomei um susto a encontrar algumas Megastores perdidas - e bem pesadas - de onde qualquer um sairia mais armamentado do que um G.I. Joe bem equipado.

Eram tantas lojas, produtos de procedência duvidosa, que fiquei rapidamente ressabiado em sacar qualquer nota para adquirir coisa alguma. Andamos muito. E logo descobrimos o quanto alguns dos vendedores locais agiam premeditadamente. Os “de rua” chegavam a seguir possíveis compradores. Uma senhora, sempre munida de sua trouxa de infindáveis aparelhos, nos apareceu umas 3 vezes no raio de 4 quilômetros. Já éramos até íntimos. Ela havia aprendido e nos chamava pelos nomes a cada novo coincidente encontro. Só nos deixando quando (finalmente) conseguiu “obrigar” meu pai a comprar um “ultra massageador automático” que - como esperado - nunca funcionou.

Notei também que a relação entre os povos não era das melhores. Os paraguaios nos atendiam em bom “portunhol” e se despediam em indecifrável guarani. Engraçado. Se não fosse trágico. Palavras ofensivas são facilmente entendidas, mesmo quando não se conhece a língua. Havia claramente um rancor obtuso entre os “vendedores e compradores”. Um histórico de maus tratos - de ambas as partes - estava criando uma situação suis generis de confronto. Lembrei-me imediatamente das aulas de história. Ressaltando a "Guerra do Paraguai", onde incitados pela Inglaterra, Brasil e Argentina levaram o "inimigo" a “banca-roupa”. Não por menos, este evento é descrito pelo “outro lado” como o “massacre do povo paraguaio”.

Foi quando percebi (in loco) que ali existia um país invisível aos insensíveis consumidores brazukas - ávidos por compras fáceis e sedutoras. Xingamentos impronunciáveis (contra os brasileiros) cantavam pelas alamedas na inteligível linguagem hispânica. Praças de alimentação eram escandalosamente desprovidas de qualquer saneamento básico. Ao meio-dia, o estomago já esperneava querendo algo... Procuramos por meia-cidade em busca de qualquer estabelecimento razoável. Encontramos uma barraca onde água barrenta (provenientes das chuvas) era usada para limpar as cuias de chá. Perdemos a fome na hora.

Só encarei, com muito esforço, uma garrafa de refrigerante (ajudado pela sede provocada pela longa caminhada). Bem lacrada/vedada contra as intempéries externas. Vendida por ambulantes nas esquinas e semáforos. No mais caótico sistema de trânsito que já encontrei (ou encontrarei) em toda minha vida - devo ressaltar. Entre os motoristas de “Ponta Del Leste” imperava (com certeza) a lei da Selva.

Desencantados pela dura “realidade”, voltamos a transitar entre os comerciantes. Mal estava prestando atenção no que vendiam. Perdera toda a vontade de comprar qualquer coisa. Encontrei - sim - centenas de jogos interessantes, mas não poderia deixar meu lado consumista sobrepujar a faceta humana. Não enquanto presenciava paraguaios pegando um ônibus da década de 40. Brinquei falando que qualquer um que fosse atropelado por tamanha “carcaça de ferro” morreria imediatamente de tétano. Estava disfarçando o horror provocado pela situação lastimável...

O Oásis natural das Cataratas do Iguaçu

Encontramos nosso carro no cair da tarde. Moças brasileiras eram cantadas e afrontadas (em guarani) por alguns dos vendedores na esquina. Meu estômago embrulhou de vez com tamanha letargia. Só pensava em sair dali - o mais rápido possível. No caminho, registrei a vergonhosa facilidade em transportar as mercadorias piratas para o lado brasileiro. Policiais da polícia federal vigiavam a ponte, enquanto malas lotadas de contrabando eram arremessadas no rio e recolhidas por pequenos barcos que (livremente) carregavam os malotes para Foz do Iguaçu. Dá pra entender agora porque estes produtos já vêem “quebrados”.

De volta a solo tupiniquim, finalmente comemos um pouco. Bem pouco. Estávamos todos sob os efeitos da cansativa passada pelo “verdadeiro” 3º mundo... Uma volta pelas “Cataratas” no Parque Nacional do Iguaçu aliviaram um pouco do desastre. Turistas - de todas as partes do mundo - se divertiam entre as águas, contagiando qualquer um que passasse ao lado. Exauridos, fomos embora sem a visita básica pelo lado Argentino. Ninguém tinha qualquer ânimo pra isso. Resolvemos voltar diretamente para casa.

A experiência tinha sido acachapante. Pelo menos para mim - principalmente depois de tudo o que vi. E (principalmente) senti.

Um comentário:

Carlos Frederico disse...

O Carlão falando isso, fez-me lembrar da vez em que EU estive lá: 1989. E a melhor, senão a única coisa de bom que o Paraguai tem a oferecer é a vista das cataratas do Iguaçu.